
Reportagem: Luíza Alves e Vanessa Cândida
Desde o ciclo de ocupações de escolas por estudantes secundaristas entre 2015 e 2016, a democratização do espaço escolar e participação estudantil ganhou espaço na agenda de debates sobre as políticas educacionais, sobretudo de ensino médio. No Estado de São Paulo o levante foi uma resposta à tentativa do governo estadual de reorganização das escolas e evidenciou os efeitos uma política construída sem diálogo efetivo com a juventude. De lá para cá a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo tem empreendido alguns esforços no sentido de apresentar uma proposta de participação estudantil.
No dia 23 de setembro deste ano ocorreu o II Encontro Paulista de Grêmios Estudantis, que reuniu, no Memorial da América Latina, cerca de mil estudantes da rede pública de ensino médio. O principal foco do encontro foi fazer o balanço de Orçamento Participativo Jovem (OP Jovem), projeto que pretendia destinar o valor de R$ 5 mil para cada grêmio de escolas públicas paulistas via Associação de Pais e Mestres (APMs). Durante o evento, anunciou-se que a Secretaria teria repassado para as APMs cerca de R$ 25 milhões nessa primeira edição do projeto.
Segundo Raphaella Burti, coordenadora do OP Jovem na Secretaria de Educação, o projeto faz parte de uma política de gestão democrática, sendo fruto de um diagnóstico realizado via aplicação de questionários online e por meio de rodas de conversa realizadas em diversas escolas do Estado. O próprio secretário, João Cury Neto, teria estado presente em várias delas.
“Em 70 dias nós rodamos o estado todo e nós fomos ouvindo, e era unânime em todas as reuniões, absolutamente todas as reuniões de pólo, os meninos pedirem dinheiro para o grêmio. E nesse grito nós enxergamos essa vontade de ter o poder de decisão. O processo histórico do grêmio não ser só uma instância de participação, mas de decisão com a gestão da escola. Então daí vem a ideia do OP.”
Em junho, após reuniões com gremistas, circulou entre as direções das escolas um documento de orientação que apresentava o desenho do projeto, um conjunto de possibilidades e impedimentos para o uso da verba, questão que suscitou críticas por parte de estudantes.
“Quando chegou a cartilha nós descobrimos que o projeto não passa de um auxílio reforma, porque nós só podíamos investir na infraestrutura da escola. Não podíamos usar a verba em nada relacionado à compra de bens permanentes”, queixou-se a estudante Giovana, do grêmio da escola Fernão Dias, situada na região oeste da capital. A colega gremista Marli lembra que o desejo dos estudantes de sua escola era revitalizar o laboratório de informática da escola e comprar novos computadores para a sala, o que não foi possível. No final, por meio de consultas realizadas com o restante da comunidade escolar, a verba foi destinada para o conserto do banheiro feminino.
O mesmo problema foi identificado pela diretora Leila Andrade, da escola E.E Maria Correa, zona leste de São Paulo. “Quando esses meninos voltaram para a escola eles fizeram uma eleição, elencando o que queriam fazer com a verba. Excursões, visitas a exposições, museus, comprar bola e colocar uma tabela de basquete. Passaram-se uns 20 dias e chegou para mim uma resolução que dizia que a verba só podia ser usada para consumo e manutenção. Arrumar goteira, desentupir fossa, vaso sanitário, manutenção predial. Pensei, o que eu vou dizer para os meninos?”. Segundo ela, duas semanas antes do fim do prazo foi permitido gastar R$ 1 mil com bens permanente e, ao final das contas, os alunos escolheram comprar extintores e cadeiras para o auditório. “Com isso, você provoca nesse jovem o sentimento inverso do que você queria provocar, que é um sentimento de responsabilidade na utilização da verba. O Estado que deveria prover essas coisas.”, completa.
“Nós estávamos com uma expectativa muito grande, já pensando em projetos. Mas quando recebemos a proposta do projeto, nós percebemos que não era nada disso. Nessa hora nós perdemos o tesão, ninguém se sente protagonista quando falam pra gente fazer, mas com uma lista de como deve ser feito. Eu não sou protagonista se eu estou seguindo um roteiro. Protagonismo é quando nós estudantes podemos fazer por nós, pelas nossas ideias”, afirma Giovana, da escola Fernão.
A responsável pelo OP Jovem reconhece os limites, mas alega que o problema foi causado pelo tipo de verba disponibilizada pela Secretaria naquele momento, restrita a custeio. Segundo Burti, ao perceber a insatisfação, a equipe buscou outras fontes e liberou recursos de investimento, com um prazo bastante apertado para a resposta das escolas. Para o segundo ciclo a promessa é fazer acertos: “Nossa ideia é, que ano que vem se faça um cronograma mais justo com os meninos e que eles tenham mais tempo de discussão para elaborar o plano de ação e, que não seja às pressas. E que já esteja tudo definido, pode investimento, pode custeio.”
Para Leila há a necessidade de dar continuidade a projetos de gestão democrática e participação na escola, mas indo além de ações pontuais. “Havia uma obrigação formal, no papel, que a escola tinha que ter grêmio, mas se você fosse lá não tinha nada. Os meninos não eram reconhecidos como pessoas que tinham interesses, que podiam opinar sobre a escola e o que acontece nela. Desse modo fica tudo a cargo do diretor, se é um diretor mais democrático, que incentiva mais a participação, você tem um grêmio mais atuante. Do contrário, o grêmio não tem voz nem vez”.
Durante o II Encontro Paulista de Grêmios, o governador e mais três secretários presentes escutaram elogios e críticas de representantes de organizações estudantis. Lais do Vale, da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (UPES) agradeceu a oportunidade de diálogo “que não existia antes” e apontou que “O papel dos grêmios é mudar a realidade. Temos escolas de lata, sucateada, sem merenda. Estamos aqui para mudar a realidade da escola. Garantir que vamos parar de comer macarrão com sardinha na escola, garantir eleições para diretores, se opor à reforma do ensino médio e ao Escola Sem Partido”, sendo bastante aplaudida pelos estudantes presentes.